15.03.2009

DESPEDIDA EM TOM COLOQUIAL
Carlos Gaspar*

Costumo comparar o escritor, seja qual for sua opção, a poesia ou a prosa, a alguém que vive, de maneira persistente, à procura de rumos que possam levá-lo a um abrigo seguro, que é a manifestação prazerosa de sua alma. Por esse motivo, independentemente do tempo que disponha, sua caminhada se torna longa e penosa, mesmo consumada em poucos minutos.

Trata-se de um exercício de paciência e equilíbrio, para expor o que sentiu e viu nessa sua sina de andarilho, à cata do que chama de pedra preciosa, embora para outrem nem sempre ela o seja. Apenas uma pedra, ou, quem sabe, uma pedrada, sem a intencionalidade que a ela em geral se associa.

Há ocasiões em que, conquanto imbuído de propósitos saudáveis, o escritor é mal entendido. Aliás, isso ocorre em todas as manifestações do homem. Faz parte da fragilidade de quem analisa o texto, ou da fragilidade infiltrada no texto.

Eu, em face do viés que me leva ao cultivo das letras, não me vejo alheio a esse quadro, a despeito de cumpridor de minhas obrigações, educado o quanto possa, respeitador, e, mais que tudo isso, amante da liberdade, até o limite em que esta não cause tropeços à de um outro cidadão. Esta é a regra da sadia convivência, lição que aprendi com meus pais, fruto da educação doméstica que me souberam legar.

Lembro-me bem daquele 1991, quando iniciei meus artigos/crônicas neste O Imparcial. E, aos domingos, quase sem faltar um só, desde essa época, aqui estou, a preencher esta coluna, na página de Opinião. Diga-se de passagem, opinião que não é do jornal, porque é minha, assumindo o conteúdo do que transmito, com a responsabilidade que me recai.

Nesse percorrer jornalístico, experimentei épocas diversas da política, da cultura, da economia, da história do Brasil, do Maranhão e, em particular, de São Luís. Acompanhei as transformações de caráter universal. Dispersei-me, bem de propósito, nessa variedade de temas. Entretanto, tentei e persisto em transmitir as minhas manifestações de modo coloquial, que tira o azedume e a dureza de qualquer abordagem. Imagino ter sido irônico algumas vezes, porém longe da prática de ofensas ou agressões. Tampouco jamais me fugi de dizer a verdade, aceita pela maioria dos meus imaginários leitores e rejeitada por quem se sentiu desagradado.

Hoje, entretanto, não me acho disposto para continuar sendo responsável pelo preenchimento deste espaço, que O Imparcial reservou para mim. Preciso recompor-me, intelectualmente. O saudoso Padre João Mohana disse-me, de certa feita, que as crônicas, ao revelarem o dia-a-dia, devem também transparecer a cultura de quem as escreve. E como essa observação nunca me saiu da cabeça, acho que este é o melhor momento de refletir e agir de acordo com ela.

Diz Orhan Pamuk, prêmio Nobel de literatura de 2007, que o segredo do escritor não é a inspiração, mas sim a sua teimosia, a sua paciência. “É uma pessoa que passa anos tentando descobrir com paciência um segundo ser dentro de si, e o mundo que o faz ser quem é”.

Seguindo esses ensinamentos, concluo que devo estar necessitando me dedicar mais à leitura, me reabastecer do seu conteúdo, o que demanda uma boa parte dos dias. E, por descuidar-me desse dever, acho que perdi um pouco a teimosia e a paciência, requisitos estes indispensáveis para quem anda às voltas com as letras. Cabe-me, assim, ausentar-me desta coluna, a levar em conta que, se eu não dispuser de umas preciosas horas para atirar-me aos lançamentos editoriais, de obras antigas ou inéditas, pouco terei a oferecer.

Esta conversa, então, é de agradecimento a todos os meus imaginários leitores, pelos anos em que gastaram seus preciosos minutos e suas vistas, com o que aqui tentei contar, em tom coloquial. Sempre tive o cuidado de me fazer entender em tudo o que disse, e espero que essa tenha sido a face mais positiva das quase 1.000 crônicas que produzi.

O Ananias, velho amigo dos idos de colégio, que muito colaborou comigo, expondo suas idéias, suas lamúrias e suas revoltas, pode agora ficar tranqüilo que deixarei de ser inconfidente quanto aos seus desabafos, para agora me tornar, de fato, seu confidente.

Finalmente, vai o meu abraço carinhoso aos que colaboraram comigo nesta empreitada, e aos que fazem O Imparcial, através das pessoas de Nonato Borges e de Pedro Freire, a quem dedico estima especial, sem esquecer, também, dos que labutam na redação deste matutino e sempre, gentilmente, me atenderam.

*Colaborador DRT 45/91, escreve aos domingos na seção Opinião
do jornal O Imparcial em São Luís do Maranhão.
E-mail: pgaspar@elo.com.br