15.02.2009

NA LITORÂNEA
Carlos Gaspar*

Desde uns bons tempos dou uma caminhada, ao cedo da manhã, pelo calçadão da Avenida Litorânea, em boa hora construída pelo Governador Edison Lobão. Decorridos mais de vinte anos, ela hoje está a carecer de alongamento. É que, acrescida de mais uns poucos quilômetros, se prestará para desafogar o tráfego intenso da Avenida dos Holandeses.

Nesse meu passeio, aos poucos fui me integrando a um e outro grupo que, em intervalos de poucos minutos, se compõem, no vai-e-vem do saudável exercício matinal. Faço um percurso de quarenta a cinqüenta minutos, o suficiente para a revascularização natural das minhas artérias. Dou-me, então, pronto para enfrentar as empreitadas do cotidiano.

Bem antes de ser concebida a Litorânea, percorríamos, eu e alguns amigos, razoáveis trechos da Ponta da Areia. Direcionávamo-nos para o Forte de Santo Antônio da Barra, mais conhecido como Forte da Ponta d’Areia, àquela altura em ruínas. A seguir, regressávamos, sob a admiração da paisagem circundante. Hoje ressurgem em mim as lembranças do que significou aquele ambiente, à época em que a juventude me impulsionava ao imprevisível.

Lá pelos meados de 1950, aguardava, ansioso, a chegada dos domingos para a aventura de palmilhar o chão e subir nos frutíferos arvoredos da então longínqua Ponta d’Areia. Retornava sol a pino, por volta do meio-dia, alto verão, pleno de felicidade. Estou certo de que somente a irreverência da idade foi que me proporcionou a sensação da travessia que se iniciava no Cais da Sagração e ancorava em local de improvisado desembarque daquele benfazejo recanto. O vento, a chuva, os trovões, nada me intimidava, contagiado pela coragem dos demais rapazes e moças, passageiros como eu, das frágeis embarcações que operavam nessa rota, em que as ondas do mar pareciam querer engolir-nos.

Hoje, esse outro lado da ilha de São Luís tornou-se irreconhecível, fruto do progresso que buscou oferecer melhor qualidade de vida aos habitantes desta capital. Espanta-se, portanto, ao revê-lo, quem gravou na memória o cenário primitivo e assim o conservou. Desfaz-se-lhe a convicção de que a cidade iria sempre se manter estática, no mesmo lugar, circunscrita ao velho espaço geográfico.

Pois sim, agora, deixo a Ponta d’Areia, e retomo a Avenida Litorânea, de onde, adulto e de família constituída, nunca me afastei em definitivo. Dela ausentei-me por determinado período, é verdade, porém levado por circunstâncias alheias à minha vontade. A saúde exigiu-me esse sacrifício.

Livre dos tropeços que haviam redimensionado os meus costumes, decidi-me pela recomposição do velho hábito, o de acordar em concomitância com a manhã nascente. Aconselharam-me que me transferisse para a Lagoa da Jansen, dotada de paisagem de extraordinária beleza, sedutora. Resolvi experimentar. Entretanto, nem deu uma semana e me decepcionara com aquele verde urbano de fazer gosto. O meu olfato ficou agredido de tanta podridão ali exalada.

Por incrível que pareça, continua nesse fascinante logradouro, de recente concepção e execução, o velho odor insuportável que sempre o perseguiu, e o vento a permanecer, sem tréguas, a espalhá-lo pelos locais mais próximos. Não tive condições de tolerar.

Logo me passei, mais uma vez, agora em caráter definitivo, para a velha Litorânea, de onde, anteriormente, podia observar os navios que chegavam para levar o minério de ferro, originário de Carajás. Agora, olho para o mar e fico apenas a “ver navios”. De mais de vinte, diariamente, ficaram eles, os navios, reduzidos a dois ou três, por conta da “crise”.

Todavia, preocupa-me o que está ocorrendo naquela orla marítima, a que é chamada de Litorânea. O policiamento, a oferecer segurança, dispensa comentários. A limpeza de calçadas e sarjetas fica um pouco a desejar. De modo que, exceto um ou outro percalço, quase nada há, aparentemente, para o leigo, a exigir reparações de monta.

Faz-se indispensável disciplinar melhor o uso da Avenida Litorânea e adjacências. E essa providência decorre do funcionamento dos bares ali existentes, que andam à solta, sem fiscalização, em especial a sanitária. Como não existe esgoto, os dejetos e sobras de comidas e bebidas, oriundos dos tais bares, são despejados à beira da praia ou nos fundos das barracas, a quebrar a homogeneidade do ar marinho, tão precioso aos felizes passantes.

Eu, em particular, me revolto quanto a essa situação. Há momentos em que tenho a sensação de que me encontro na Lagoa da Jansen, moça bonita de nenhuma higiene interior. E, como as autoridades são omissas, agora quanto à Litorânea, faço aqui o meu registro, para que um dia alguém venha a saber que tal desprezo administrativo a ninguém passou desapercebido. E maior é a minha preocupação, porquanto não está claro a quem compete tomar as atitudes cabíveis, dado que a avenida foi construída pelo Estado e fica-se sem saber ao certo quem deve mantê-la limpa e conservada, sem o nocivo cheiro da Lagoa da Jansen, engolidora de polpudas verbas, segundo os discursos dos políticos de oposição.

*Colaborador DRT 45/91, escreve aos domingos na seção Opinião
do jornal O Imparcial em São Luís do Maranhão.
E-mail: pgaspar@elo.com.br