SOBRE A REFORMA ORTOGRÁFICA
Carlos
Gaspar*
A reforma ortográfica da língua portuguesa, lenta e gradual, que se iniciou no dia 1º último, parece que vai servir de tema para que se discuta, por meses ou anos a fio, a sua legitimidade. E, pelos meus cálculos, essa mudança, antes de vingar – se é o que vai acontecer – ainda causará sérios transtornos a inúmeros lusófonos.
É difícil entender as razões pelas quais se busca compatibilizar ou harmonizar a forma de expressão gráfica de povos diferentes. Os argumentos apresentados carecem de fundamento. O fato de falarmos a mesma língua, ou quase a mesma, em diversos países, há particularidades seculares que desobrigam seus cidadãos de expressá-las materialmente de modo igual.
A defesa da preservação da ortografia, entre estados diferentes e independentes, é e será sempre frustrante. Não se trata do fato (facto?) de Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, S. Tomé e Timor Leste terem sido descobertos e colonizados por Portugal, que tenham todos de usar igual cartilha. O fundamental é que seja entendido o que cada um, no contexto exato de suas regras, pretenda transmitir.
O período de aprendizagem e de adaptação é longo, tanto para o leitor quanto para o escritor. Observo isso pelo que consta das publicações antigas, onde encontro, em um só texto, de autoria de renomados intelectuais, a mesma palavra impressa de jeito diferente.
Não sou contra os filólogos e os lexicólogos, pois empreendem belíssimos estudos sobre as línguas e a maneira teórica de como elas deveriam ser escritas, a partir de sua origem.
Ultimamente venho folheando jornais, revistas e antigas edições de livros, e me deparo com essas situações. O pior de tudo é que, quando vou preparar algum trabalho, vez por outra me ocorre dúvidas sobre como escrever corretamente certa palavra, se na grafia antiga ou se na moderna. Chego a pensar que se trata de alguma deficiência minha, entretanto fico consolado ante a queixa que ouço de várias pessoas, sobre igual problema.
Quando me iniciei nas primeiras letras, pelos idos de 1944, por mais eficientes que tivessem sido, acho que as minhas professoras estavam a viver o drama da mudança ortográfica, ocorrida em 1943. E não sei se, ainda que cuidadosas no desempenho do seu ofício, nada obstante acho que fui vítima dessa transformação, que em mim não se deve ter operado na sua inteireza.
Concluo, então, que ao meu primeiro contato com o lápis e o papel já me apresentei em situação de inferioridade. Passei um longo tempo claudicando quanto à expressão gráfica que saía do meu punho. Um erro aqui e uma dúvida ali me atormentavam. E persistem a me causar problemas.
Os famosos e lamentavelmente extintos “ditados” muito colaboraram para que eu deixasse de cometer equívocos na grafia da certas palavras. É que, corrigidos e neles encontradas as falhas, ficava eu obrigado a repetir inúmeras vezes, até mais de cem, a palavra tida como correta, para que ficasse fixada no meu consciente a maneira perfeita de, em outra oportunidade, saber pô-la no papel.
Em 1971 lá veio mais uma modificação ortográfica. E com ela um novo reaprender. Acredito que para os mestres em filologia e lexicologia a facilidade compatibilizar, justificadamente, a expressão sonora com a sua figura correspondente seja bem maior.
Eu, por exemplo, por intuição, já há muito não uso o hífen, de sem que eu saiba explicar o motivo e jamais existindo em mim a intenção de infringir dispositivos gramaticais. Lembro-me bem, especificamente quanto a este meu procedimento, de certa feita fui criticado por alguns entendidos nessa questão, bem como em outras.
Devo dizer, também, que em face das anteriores reformas ortográficas de que fui vítima, aqui e ali me vejo lidando com várias palavras, a partir de quando as aprendi a escrever. Uma delas é “expontâneo”, hoje “espontâneo”; “húmido”, atualmente “úmido”; “hontem”, agora ontem. E, vêm outras que agora não me recordo. Para que esses atuais erros não aconteçam, fico a me policiar, pois, a neles incorrer serei objeto de exacerbada crítica, em especial, pelos mestres no assunto.
Todavia, a reação a essa mudança, que possui caráter acadêmico, tanto que, parece-me, foi o presidente Lula quem assinou o atestado de óbito, se faz sentir em todos os territórios lusófonos. Portugal é o primeiro deles, em que se vê pessoas de bom nível intelectual, alegando, se me parece com toda procedência, que existe um desejo de abrasileirar a língua portuguesa. E, no fundo, ao fim e ao cabo, há um cunho de verdade, cá no meu perceber.
Vou continuar a mexer com o alfabeto tal como eu o aprendi. E nem sei se o aprendi. Porém, conscientemente, nada pretendo mudar, a não ser que o tempo assim determine.
*Colaborador DRT 45/91, escreve aos domingos na seção Opinião
do jornal O Imparcial em São Luís do Maranhão.
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