QUE CHEGUE O ANO-BOM!
Carlos
Gaspar*
Hoje é dia de Natal e estou, agora mesmo, pelo fim da noite, a preparar esta crônica, que deverei entregá-la na redação deste jornal até amanhã, ao cair da tarde. Lembrei-me somente agora, pois havia perdido a noção dos dias da semana, sem saber em qual deles me achava.
Benditos meus papéis velhos, avulsos, dispersos, que me despertaram desse esquecimento Remexendo minhas gavetas e minhas mesas de trabalho, foi então que me situei no calendário. É que, ao fim de cada ano tenho o hábito de revolver tudo o que posso, para guardar ou rasgar o que me parecer conveniente. E, claro, tornar mais apresentável e estimulante os meus ambientes de trabalho e de estudo.
Portanto, a esta altura, mesmo faltando uma semana, posso dizer que já se foi 2008. Lembro-me de alguns amigos que andam sempre a queixar-se da rapidez com que o tempo vem passando. Falam até em algum fenômeno a influir ou determinar essa mudança.
Pela minha impressão quem mudou foi o homem. Ele se tornou escravo dos instrumentos oferecidos pela modernidade, criados por ele mesmo, e de novos comportamentos, antes impossíveis ou bem distantes, decorrentes do fenômeno da globalização.
Bem, é melhor deixar isso de lado e falar um pouco das coisas amenas, simples, que deixam leves as nossas almas. Nasci no interior deste Maranhão, na Baixada, lugar de boas gentes, corações abertos. Conheci-as vindo de bem distante, sem temer as primeiras chuvas que ao fim de dezembro prenunciavam o inverno. Chegavam à casa dos meus pais como se chegassem a uma igreja de portas escancaradas. Havia lugar para todos.
Eu ainda menino, na nossa casa todos aguardavam o relógio badalar à meia-noite. Era uma abusão: quem dormisse antes, não veria romper a aurora do ano seguinte. Boas entradas!, saudou-nos um vizinho, a desejar que o ano entrante fosse de prosperidade. Era a passagem do Velho para o Novo. Aquele se amortalhando pela doença do tempo, roedor silencioso de tantas coisas. Chocolate bem quente e pão-de-ló de primeira, preparado por mamãe. Iguarias abundantes. Nas compoteiras doces de leite, de laranja, e de coco coberto de canela. Comida para quem quisesse andar à farta.
A propósito daqueles presságios, conheci um barqueiro, Zeca de Libânia, pescador dos melhores. À passagem de Ano, lá estava ele no meio do lago, sentado em um dos bancos da canoa, ela parada, o remo ao seu lado. Punha-se a apreciar a lua, que, no seu entender, indicava o transcurso dos anos. Nessas ocasiões, ela tinha o formato diferente. Via-a assim. E foi ela o verdadeiro guia dos Reis Magos. Uma estrela só, pequenina, jamais poderia servir de farol. Desse jeito ele imaginava, e não havia quem o demovesse de acreditar nessa versão, contada pelo seu pai e seu avô, conhecedores do céu e das águas.
Tudo isso me vem agora à memória. Parece que estou vendo, com absoluta nitidez, aquele homem, a fumar seu cigarro de palha.
Os meus ouvidos ainda se espantam, na recordação do foguetório estrondoso, os céus cintilantes. Lá no alto eu enxergava Jesus a abençoar-nos na nova etapa que se iniciava. Papai contava que alguém perdera os dedos da mão direita, no toque de um foguete de assobio. O nome da vítima ficou para trás. Minha memória de criança deixou de registrá-lo. Talvez porque temesse eu que o mesmo pudesse acontecer comigo.
Agora vai surgindo o Ano Novo, gritam todos, alegres. Prefiro dizer Ano-Bom, à moda antiga. Sou um pouco supersticioso. Desse modo, já o defino como Bom, porque Novo é cada um que chega, sem distinção. Neste período muito cultivo as minhas intuições, para não dizer as minhas abusões, explicando com mais clareza. Elas são variadas. Vou alimentando-as, naturalmente. Incorporo-me ao misticismo popular, sem perda da minha religiosidade original.
Não gosto de calendários, tanto dos grandes, que se prega sobre as paredes, quanto dos pequenos que se põem em cima das mesas de trabalho. Prefiro a antiga “folhinha”, papelinhos em bloco, um por um indicando dias da semana e do mês, bem como os feriados e o santo que se comemora em cada data. Ela dá sorte, e por isso é melhor que qualquer calendário, por mais sofisticado que seja. Minha vida fica protegida. Penso dessa maneira e sempre me dei bem.
Lembro-me que em ocasião semelhante falei dessa minha superstição, sé é que é mesmo superstição. O certo é que, uns dois ou três dias depois, pela tarde, foi visitar-me o meu irmão Antônio. Levou-me de presente uma “folhinha”, a causar-me contentamento e alegria.
Na quinta-feira próxima darei vivas a mais um Ano-Bom, com a graça de Deus. E estarei reunido em família, para agradecer pelas dádivas que Ele me concedeu. Só o fato de continuar vivo, são e salvo de doenças ou outros males, e fortalecido em minha fé, considero-me um privilegiado O restante, os bens materiais, pouco importam, possuem valor secundário.
À ceia do Ano-Bom vamos ao porco assado. Ele fuça, vai em frente. Uma abusão que alimento e que, nesse exato momento vai alimentar o meu corpo. A todos, sem distinção, os meus agradecimentos pelo muito que fizeram por mim. Que chegue o Ano-Bom! Feliz Ano-Bom!
*Colaborador DRT 45/91, escreve aos domingos na seção Opinião
do jornal O Imparcial em São Luís do Maranhão.
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