LINHA DIVISÓRIA
Carlos
Gaspar*
Disse-me certa pessoa que, em uma recente quinta-feira já vencida, o meu confrade Joaquim Itapary, em sua coluna do Estado do Maranhão, teria comentado acerca das promessas dos candidatos a prefeito de São Luís. Imagino que, das teclas do seu computador, haja saído, como de costume, uma excelente crônica, posto talento não lhe falta para tornar atraente um tema considerado cansativo como esse.
Em seguida eu soube que o prefeito eleito, meu amigo João Castelo, ao responder a uma indagação da imprensa, acerca de idêntico assunto, teria dito que, quando candidato, nenhuma promessa fizera. Apenas havia levantado propostas, em face da situação em que se encontra nossa cidade.
Foi então, em vista desses dois episódios, que caí em mim. De fato, ninguém prometeu nada e todos prometeram tudo, o que de fato resulta em nada, pois não é possível fazer tudo. Espero que esta minha afirmação – será que estou afirmando algo? – não seja mal entendida. Longe de mim o propósito de criticar alguém. Nem o meu confrade Itapary, tampouco o prefeito eleito e menos ainda os pretendentes que não lograram êxito no intento de tomar assento na principal cadeira do Executivo municipal.
Escritos os três parágrafos acima, fiquei sem saber como continuar a mexer nessa colméia, tão desejada quanto perigosa. Mania essa minha de não organizar, no pensamento, a seqüência do que vou escrever. Mas, ao ver-me nesse impasse, eis que bate à porta do meu escritório o velho amigo Ananias. Confesso, fiquei satisfeito, contente até com sua visita. Benza Deus! Não o via há tempos e chegava justo no momento em que minha cabeça ardia com vistas a dar seqüência a esta crônica. Tomei fôlego!
Disse aqui, em um domingo desses que ficaram para trás, que o Ananias, de uns tempos para cá, passara a se interessar por política. Cheguei até a imaginar que ele desejasse ser candidato a algum cargo. De repente correu-me a idéia de que, às escondidas de mim, teria ele buscado ser vereador. De domicílio eleitoral na cidade interiorana onde nasceu, era bem provável que houvesse se atirado, de corpo e alma, em uma empolgante campanha, na busca de votos para sagrar-se parlamentar do seu município.
Logo esse pensamento saiu da minha mente. Pela amizade que guardamos durante anos e anos, jamais ele tomaria uma atitude dessas sem conversar comigo. Mesmo de plano feito, parecendo irreversível, escutar-me-ia, e como aconteceu em outros casos, poderia mudar seu itinerário. Apenas ficou-me a impressão de que o Ananias houvesse trabalhado em excesso, visto que emagrecera bastante, as olheiras se acentuaram e o branco se sobressaiu ante a cor natural dos cabelos.
Resguardei-me de fazer-lhe esta minha observação, embora não me faltasse intimidade para tal. É que preferi aguardar que a nossa conversa terminasse por oferecer uma explicação concludente a respeito de sua aparência física, um tanto desgastada.
Logo ao início da nossa conversa, como se aqui estivesse presente, puxou detalhes do pleito que proclamou vencedor o novo prefeito de São Luís. Por conhecer bem o meu interlocutor, escutei mais do que falei. E, assim, a paixão do Ananias se extravasou, enquanto eu procurava manter-me equilibrado, ao fazer a mínima intervenção no seu quase monólogo.
De opinião própria formada, também não o contradisse. Considero que os indivíduos obcecados por qualquer causa a defendem com unhas e dentes. Portanto, não é essa a hora de um confronto, ocasião em que os arranhões podem proporcionar danos maiores em uma amizade.
E assim Ananias analisou uma a uma as bandeiras, os partidos, os candidatos, e impôs seu pensamento bem definido. Dei volta ao assunto e fui parar na crise econômica que afeta a economia mundial, e lá veio ele a defini-la como conseqüência de ordem política. O Bush recebeu o padecimento merecido.
Descuidei-me e retornou ele às contendas democráticas, recentemente vividas pela população local. Tinha tudo na cabeça. E, sem misturar os discursos, os de conteúdos admissíveis com aqueles apenas ilusórios, manifestações que são próprias, no meu entender, de todos os políticos, em época de eleição. No que dizem, misturam verdades com ilusões.
A despeito do meu propósito, não consegui identificar as razões do desgaste físico do Ananias. Somente ao despedir-se de mim foi que ele revelou as decepções que o abateram, com a derrota do seu candidato a prefeito do município onde nascera. Havia experimentado meses em uma luta inglória. A fome, as noites indormidas, a escassez de recursos financeiros e as pressões do embate alteraram, sem pena, sua aparência física.
Com essa visita, que surgiu de repente, consegui material para terminar esta crônica, ao constatar o quanto as opiniões dos meus amigos Itapary, Castelo e Ananias, discordantes ou não, se entrelaçaram e até certo ponto se completaram. Apenas havia esquecido de dizer ao meu companheiro de tantos anos, o Ananias, que entre as palavras e os fatos existe uma linha divisória intransponível. Assim como entre uma constatação, uma promessa e uma proposta. E que em política não existem decepções.
*Colaborador DRT 45/91, escreve aos domingos na seção Opinião
do jornal O Imparcial em São Luís do Maranhão.
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